Monday, March 27, 2017

The book is on the table. Bom, nem sempre, mas ele ainda é importante

Sempre gostei de ler. Desde pequeno, lembro de me encantar com as histórias nos livros. Com o tempo, passei a apreciar tipos variados de literatura, incluindo os livros técnicos. Quando entrei na universidade e tive acesso àquela enorme rede de bibliotecas dos diversos prédios, foi como se um mundo inteiro de conhecimento se abrisse diante de mim, inteiramente  à disposição. E até hoje, o acesso à biblioteca é uma das coisas que mais sinto falta das minhas épocas de graduação e mestrado.

De todo modo, o gosto pela leitura persiste e, de volta ao mercado, sigo buscando bons livros para me aperfeiçoar. Hoje me espanto com a quantidade de títulos disponíveis, muito graças à facilidade de distribuição que a Internet trouxe, revolução comparável à que Gutenberg causou na produção de livros com sua máquina de tipos móveis. A propósito, o gráfico alemão ficaria certamente admirado ao ver como a imprensa evoluiu desde sua invenção, chegando aos limites de podermos consultar milhares de livros num dispositivo que cabe na palma da mão.

Igualmente espantoso, porém, é notar o pouco interesse de colegas de profissão pela leitura de livros técnicos. De maneira geral, não vejo desinteresse por ler e se informar, mas noto que os livros não estão entre as primeiras opções de aquisição de conhecimentos. Blogs, artigos de sites, artigos científicos e tutoriais entram na frente. Por que isso acontece?

Entendo perfeitamente que, sendo a computação uma área extremamente dinâmica, é fácil acontecer de conteúdos escritos sobre assuntos mais específicos se tornarem rapidamente obsoletos e isso, consequentemente, desencorajar certos investimentos, pois ninguém quer ter a sensação de estar jogando tempo fora ao ler um livro de 700 páginas que pode estar ultrapassado daqui a seis meses. Entendo também que esse mesmo dinamismo pode colocar uma certa pressão nas escolhas do que vamos ler: tem tanta coisa sendo lançada e mudando o tempo todo que, pra quem deseja estar na "crista da onda", há material suficiente de leitura nos blogs e artigos para preencher praticamente todo o tempo disponível.

Ainda assim, me questiono se esses dois motivos são suficientes para reduzir a utilidade dos livros técnicos e relegá-los a segundo, terceiro ou quarto planos, como vejo acontecer com tanta frequência. Tenho a impressão de que o problema reside mais na escolha dos livros para ler do que na leitura de livros em si.

No caso do primeiro problema que citei, se, por um lado, existem livros que tendem a ser focados no momento, perdendo muito de seu valor dentro de meses ou anos, existem também aqueles que podemos considerar atemporais. Eles tocam em questões de base, pertinentes à essência de tarefas em computação. Com isso, possuem o poder de se conservar úteis mesmo depois de anos ou décadas, ainda que algumas de suas partes fiquem desatualizadas. Esse poder compensa o esforço da leitura e retribui o investimento de tempo, por maior que seja. Não por acaso, considero que esse mesmo tipo de livro tem o poder de se colocar em patamar de igualdade (se não superior) com os conteúdos da "crista da onda". Isso porque todo conteúdo recente, toda novidade, partiu de construções anteriores. Assim, entender essas construções e, principalmente, a base comum a elas, ajuda imensamente a entender o que as novidades propõem, quais benefícios trazem em relação ao que existe e quais dificuldades acarretam (afinal, there is no free lunch).

Existe, portanto, um tipo de livro capaz de fazer frente aos impeditivos mencionados anteriormente: o livro atemporal, de base (alguns usariam o termo "clássico", mas não creio que essa palavra comunique exatamente o quero dizer). E esse tipo de livro ainda é importante, ainda vale a pena ser lido, seja no exemplar impresso ou em mídia digital. Ao fazer essa afirmação, não tenho a intenção de diminuir a relevância de conteúdos publicados em blogs, artigos e tutoriais (este texto, inclusive, faz parte de tal conjunto). Apenas exorto colegas de profissão a considerarem o quanto podem ganhar retomando os laços com esse antigo amigo: o livro.

Sabendo, contudo, que exortações raramente funcionam tão efetivamente como o exemplo, pretendo adotar a mesma postura de Fred Brooks [1] e concentrar esforços no "como", isto é, comentando a respeito de bons livros que, em minha opinião, se encaixam na categoria que descrevi. É o que virá em futuros posts.

[1]
Frederick P. Brooks, Jr.. The Other Face. In: ______. The Mythical Man-Month
(Anniversary Ed.)
. Boston: Addison-Wesley, 1995. Cap. 15, p. 164.